Acredito que a atuação da Psicologia Clínica no Brasil está precisando de muitos questionamentos e de auxílio, sua situação está precária há tanto tempo, que se esqueceu que nada está bom. A Psicologia Clínica está conformada e quieta se acomodando. Entretanto, acho que estamos com muitas dificuldades de entender a Psicologia Clínica no Brasil como uma profissão, de fato. De acordo com o dicionário, profissão seria também uma atividade especializada na qual se tiram meios de subsistência, o sustento próprio. O psicólogo clínico exerce a profissão através das convicções nas técnicas e teorias que regem sua ocupação que é bastante especializada. Então, o exercício da Psicologia Clínica no Brasil é uma profissão. Mas, tirar sua própria subsistência através do exercício da clínica é uma tarefa cada vez mais difícil para o psicólogo brasileiro. São poucos os que estão conseguindo esse feito.
Nessas condições, a Psicologia Clínica brasileira tem se assemelhado a um hobby. Não significa que o psicólogo exerce a clínica com pouca seriedade ou dedicação. Existem hobbies que exigem muito, além de profunda paixão pela atividade. Nesse sentido que falo da clínica em Psicologia. Uma ocupação mantida em grande parte pela paixão, mas que não retribui com o sustento suficiente, àquele que a exerce.A falta de interesse e de informação, por parte da sociedade, é um dos problemas que o psicólogo clínico encontra, pelo serviço que ele deseja prestar. O psicólogo estuda com a convicção de que está se preparando para dar às pessoas algo que elas nessecitam, só para mais tarde descobrir que nem sempre aquilo que as pessoas necessitam (ou que nós pensamos que estão necessitando) é aquilo que elas realmente querem.
A atuação da clínica em Psicologia também exige do paciente, um esforço que as pessoas em geral não estão muito dispostas a fazer – e muito menos a pagar por ele. Esta atuação exige o confronto com problemas dos quais muitas vezes passamos a vida inteira ignorando, acreditando que assim, irão acabar, e dos quais pagaríamos com todo gosto para não ter que enfrenta-los. Dessa forma, o psicólogo descobre que enquanto há pouca demanda e interesse da sociedade pelo serviço que ele está oferecendo, os consultórios dos psiquiatras vivem lotados de gente que a eles retornam constantemente. Não se trata de culpar a medicina, que está fazendo o que lhe cabe, e os medicamentos possuem muita importância para a saúde e a vida da população.
Se o uso dos medicamentos é exagerado, talvez seja porque fornecem às pessoas o que elas querem de forma imediata e não o que estão precisando, ou seja, uma forma de aliviar o problema sem enfrenta-lo para resvolve-lo e também as pessoas são acostumadas a tratar os problemas dessa forma. Esta é uma questão cultural, cuja responsabilidade não pode ser imitada numa única profissão, no sistema de saúde ou nos governantes. A cultura é sempre um produto da coletividade. A questão mais grave da falta de interesse da sociedade é a própria internalização pelo psicólogo clínico nesta falta de interesse. O psicólogo passa a acreditar que é o principal interessado naquilo que faz, e aprende a ver com naturalidade o fato de viver em uma sociedade que não se importa com o que ele tem a oferecer. Há muitas conseqüências negativas disso para o exercício da clínica e para o estabelecimento efetivo da Psicologia Clínica como profissão.
O psicólogo precisa enfrentar a falta de interesse de seus pacientes no exercício de sua profissão e por isso se sente pressionado por si próprio a fazer concessões para manter este interesse. Então, o psicólogo passa a perceber a falta de interesse do paciente como um problema apenas seu, e que, portanto, deve ser resolvido exclusisamente pela “melhora” cada vez maior de seus serviços prestados. Incluindo entre essas melhoras de serviço, se inclui entre tantas concessões, a flexibilização de horários, a diminuição dos honorários, ligações pagas do próprio bolso do psicólogo para o paciente que falta para perguntar suas razões de faltar e tentar garantir sua presença na próxima sessão, e o que é mais perigoso: Intervenções clínicas cujo maior propósito é manter o paciente ao mesmo tempo satisfeito e interessado no serviço.
A possibilidade de perder os pacientes causam uma angustia, que faz o psicólogo as vezes esquecer de que o interesse principal na melhora é, deve ser (ou deveria ser) do paciente, não dele, o psicólogo. Se o paciente não contribui trazendo suas questões, problematizando, elaborando e evoluindo o que lhe é retornado, se começa a faltar ou a atrasar, então o psicólogo começa a realizar a função de entreter do que o exercício profissional que lhe é próprio. O psicólogo pode passar a fazer e a dizer o que o paciente quer que ele faça e diga, em vez do que considera necessário a ser feito e dito no coerente exercício profissional. Quando se refere a atuação da Psicologia Clínica como profissão, o psicólogo passa a internalizar como natural, o fato de que ele deve ser o único interessado em prestar seus serviços. Não há empregos disponíveis com carteira assinada para psicólogos clínicos nos setores terceirizados para a profissão que exigiu dele tanto tempo, dinheiro e dedicação para se especializar. Então profissão de psicólogo clínico acaba se tornando autônoma na prática.
Por conta da falta de oportunidades de empregos para psicólogos clínicos no terceiro setor, o profissional que decide por essa área tem, como o próprio CFP reconhece, as alternativas de tentar consultório particular ou tentar um espaço nas clínicas de Psicologia ou policlínicas, as mais frequentes. Mas se este psicólogo não tiver uma fonte segura e constante de encaminhamentos de pacientes, a manutenção de um consultório particular se tornará praticamente impossível com o tempo. Podendo na pior das hipóteses, trazer prejuízos financeiros.
A próxima alternativa são as clínicas de psicologia, psiquiatria, psicanálise e policlínicas. Em alguns casos, o psicólogo aluga seu espaço de trabalho e espera, através das clínicas, receber pacientes conveniados, em sua grande parte. O espaço alugado pode ser abatido no salário ou nos honorários, ou então, podem ser pagos diretamente em alguns casos. Então, a clínica oferece o espaço alugado e o abatimento do plano de saúde. Este encaminhamento de pacientes para o psicólogo que é feito pela clínica, é considerado como praticamente, uma cortesia da clínica, que caso pague um salário fixo, recebe uma porcentagem no abatimento dos planos de saúde e que paga o espaço cedido. Ao psicólogo, não se dá nnehuma garantia de que um dia, conseguirá retirar de seu árduo trabalho, pelo menos o necessário para continuar pagando o aluguel, dependendo do perfil e custos da clínica.
Esta situação se torna muito injusta e perversa porque, o psicólogo, neste caso, está alugando um espaço para trabalhar por conta da perspectiva de fazer sua cartela de pacientes contando com os encaminhamentos da clínica, pelo menos de início, até que possa já levar seus pacientes particulares. Mesmo assim há o abatimento pelo espaço da clínica ao receber o seu salário. Apesar que o grande atrativo das clínicas é o seu próprio encaminhamento de pacientes. E é por isso que o psicólogo aluga este espaço, pela possibilidade de receber novos pacientes pela clínica.
As clínicas não costumam se responsabilizar se o número dos pacientes encaminhados seja pequeno e insuficiente até para que o psicólogo honre o aluguel do espaço. As clínicas costumam ser praticamente indiferentes se o psicólogo está atendendo muito ou pouco se o alguel estiver garantido. As clínicas muitas vezes não procurar se interessar pelo trabalho do psicólogo e contribuir para vê-lo trabalhar mais e prosperar. Para cobrir o abatimento no aluguel de alguns espaços, o psicólogo precisa atender uma grande quantidade de pessoas, contando que esses pacientes não faltem a nenhuma sessão, muitas vezes somente para pagar o aluguel do espaço cedido. O resultado é que, muitas vezes, conta não fecha, e o psicólogo clínico , na prática, passa a pagar para trabalhar. Isso torna esta situação, as vezes, pior do que a de um estagiário remunerado.
Quem está realizando um estágio remunerado, recebe um salário, mesmo que pequeno, então, o saldo é razoavelmente positivo. A situação do psicólogo clínico que acaba pagando para trabalhar, pode ser comparada facilmente a de um escravo em saldo negativo, porque além de não receber para trabalhar, ainda tem de pagar por isso, dentro desses esquemas das clínicas. Pois, o psicólogo paga um valor fixo à clínica todo mês seja diretamente ou em abatimento, e não tem nenhuma garantia de receber nem o necessário para quitar esse valor fixado.
De acordo com os proprietários das clínicas, a pessoa jurídica, esse é um negócio vantajoso para o psicólogo, de médio a longo prazo. Isso seria realmente ótimo na teroria, mas fica o qiestionamento de como o psicólogo vai se manter e pagar o aluguel da clínica até que esse “médio/longo prazo” se realize, se na prática, o que mais se vê é que o psicólogo ganha com seu trabalho, menos do que paga à clínica para trabalhar. Não são muitos os psicólogos com recursos suficientes para manter o “luxo” de alugar um espaço a longo prazo. E novamente, vemos que de tanto ouvir este discurso, o psicólogo clínico acaba internalizando-o, e o mais grave é que passa a repeti-lo e reproduzi-lo, de que em longo prazo, essa situação, um dia, será vantajosa, acreditando que tudo isso é muito natural, normal e com muitos benefícios para si mesmo e como profissional.
Então, diante dos esquemas injustos e perversos desse mercado, o psicólogo se encontra abandonado, seja por não ser fiel à sua própria causa, internalizando e reproduzindo o discurso de seus exploradores e também representado por um conselho que o deixa à deriva. Pois o conselho não se esforça muito em criar normas e leis que evitem a exploração do psicólogo. O CFP fiscaliza, orienta desejando boa sorte e mandando o profissional ”tomar cuidado”, mas não cuida deste profissional. Como tantos psicólogos ainda conseguem se manter neste perfil de atuação Clínica? Como esta situação é possível para alguns profissionais? Muitos encaram a Psicologia Clínica como uma paixão em seu exercício, não como uma profissão que lhe gere um sustento efetivo. O psicólogo não costuma ser fiel a si mesmo e não tem uma consciência de classe profissional unida, que dizer, o psicólogo clínico passa a acreditar que o seu trabalho interessa apenas a ele mesmo, e a mais ninguém. Com sito, se tornando um exercício profissional solitário e individualista.
É fato que as mulheres ainda são maioria no exercício da profissão de psicólogo. Para as mulheres, ainda são atribuídas características de que são mais acolhedoras, receptivas, cuidadoras e de estabelecerem relações intimistas com mais facilidade de imediato, assim como consideradas mais empáticas e compreensivas. Essas qualidades se encaixam perfeitamente no perfil de um psicólogo ideal, e que engrandecem a profissão. Essa questão de gênero e suas características a que são atribuídas também tem seu lado problemático a respeito das cobranças de uma sociedade conservadora e sexista no Brasil, sobre as mulheres. Mulheres casadas geralmente tem maridos que ganhem mais que elas. E isso não é diferente no caso das mulheres que são psicólogas. Assim, as psicólogas, sendo mulheres, também carregam o peso de que a cobrança maior pelo sustenta da casa deve ser majoritariamente do homem.
No caso da mulher solteira, também há uma pressão maior para atrair um homem que ganhe mais que ela, para assim, ela se casar com ele e que também ele assuma a se não for a total, mas pelo menos a maior parte da responsabilidade de adquirir e sustentar o imóvel que irão morar. Não é incentivado para a mulher solteira, que ela antes de pensar em se casar, que buscar uma independência finacneira o suficeinte para sair da casa dos pais e adquirir um imóvel e também o seu sustento por conta própria. Na mentalidade conservadora do brasileiro médio, o ordenado da esposa que trabalha, (a psicóloga no caso), geralmente fica todo com ela, ou então entra apenas como um complemento da renda do marido. As clínicas, com seus muitos proprietários seguindo essa mentalidade e pensamento cultural e coletivo do brasileiro, costumam atrair em grande parte, aquelas psicólogas casadas que não têm a preocupação direta com o ganho. São mulheres que seguem o pensamento de que, o que elas ganham é delas, sob poucas concessões, enquanto o que o marido ganha, é da casa.
São casos de psicólogas que buscam prioritariamente um ideal de satisfação produtiva. São pessoas em busca de sua auto-estima e de uma resposta para a sociedade que lhe pergunta: “O que você faz da vida?” Então, a essa pergunta elas podem responder: “Sou psicóloga. Eu trabalho, eu produzo e amo o que faço.” Já os profissionais masculinos solteiros encontrados nessas clínicas, são em grande parte, aqueles que ainda moram com os pais e que não tem muita pressa para sair da casa dos pais.
Os psicólogos, tanto mulheres quanto homens, que tentam extrair seu sustento pessoal, ou grande parte desse sustento, a partir do exercício desta profissão, a Psicologia Clínica, vista como uma atuação movida apenas, ou acima de tudo pela paixão, acaba sendo uma imposição. Já, para essas psicólogas que só visam um complemento para gastos exclusivamente pessoais e parciais ou uma atuação apenas pelo amor de atuar na clínica, isso é quase indiferente. Se essas pessoas puderem ganhar dinheiro com a Psicologia, ótimo! Se não puderem, está tudo bem. No caso das psicólogo/as que buscam apenas uma realização de produtividade ou se der, um complemento pessoal, alternativa a renda do marido, elas não vão deixar de casar, de ter filhos e de terem a vida “delas” por isso. Essas psicólogas trabalham pela sua auto-estima e realização pessoal. O trabalho delas não tem tanta importância e significativa para o provimento do casal e não tem tanta importância para a clínica em que trabalham.
Neste caso, a clínica ganha muito mais com o aluguel que esses profissionais pagam do que com o pouco que é retirado dos repasses efetuados pelos planos de saúde referentes aos atendimentos realizados. E caso um psicólogo/a, em busca de seu sustento total preferencialmente, diga ‘não’ a uma dessas clínicas, elas podem contar com o ‘sim’ de toneladas de psicólogas casadas, ou solteiras satisfeitas em continuarem morando com os pais enquanto não se casam, e que estão ávidas por um paliativo para sua baixa auto-estima e sem se preocuparem ou se importarem em assumir o provimento de uma casa, ou mesmo da própria vida, pois tem quem assuma por elas, na cultura conservadora.
Se houvesse um número significativo e uma união de psicólogos clínicos que constituíssem uma classe de profissionais que pretendem trabalhar também pelo sustento próprio de uma forma digna, e para serem provedores de uma casa ou também de uma família, o diálogo com essas clínicas e com qualquer um que explore o trabalho do psicólogo, provavelmente seria posto em outros termos. Essa exploração não aconteceria com tamanha facilidade e permissividade, até mesmo com a omissão do CFP a respeito dessa situação. Não é possível mudar com tanta facilidade, o pensamento conservador da maior parte da sociedade brasileira. Mas, é sim possível mudar a nossa atitude profissional. O psicólogo deveria parar de fazer tantas concessões abusivas aos seus pacientes, e que essas concessões cabem escapando de sua atuação profissional devida e mais ética, apenas para manter esses pacientes na clientela. O psicólogo também deve se conscientizar que o principal interessado no tratamento e na melhora deve ser o próprio paciente. Uma postura mais firme no trato com o paciente não significa necessariamente uma postura menos acolhedora, empática ou receptiva.
A disciplina é fundamental no exercício de qualquer atividade profissional, e o psicólogo deve ser disciplinado e exigir do paciente que ele também corresponda essa disciplina. Provavelmente, essas mudanças de posturas certamente podem afastar dos consultórios, alguns pacientes mais relapsos e menos interessados, mas por outro lado, ajudará a manter como incentivo àqueles pacientes que querem se dedicar a um trabalho sério, significativo, produtivo e eficiente. Entre as mudanças de postura, o que considero a mais difícil e complicada, o psicólogo deve exercitar o aprendizado em dizer não à exploração do seu trabalho. Deve-se aceitar trabalhar em clínicas se avaliar que o seu saldo seja positivo a cada mês. Deve-se procurar fazer acordos em que a clínica ganhe proporcionalmente ao seu próprio ganho e à sua produtividade. Se o psicólogo produzir muito e ganhar muito, a clínica também ganhará proporcionalmente. Se não produzir nada e não ganhar nada, a clínica nada ganhará. O psicólogo deve se conscientizar que a cada concessão abusiva sua a um paciente, e principalmente a cada sim dado àqueles que lhe exploram, toda a classe sai perdendo, não apenas ele como autônomo.
Por mais duro que seja de admitir, quem faz concessões excessivas não dá o valor devido ao seu próprio trabalho, e quem não valoriza seu próprio trabalho, não pode cobrar a valorização dos outros. O psicólogo clínico está habituado a trabalhar sozinho em seu consultório. Por isso, ele acaba se tornando individualista. Acredita que o único interessado em seu trabalho é ele mesmo, e não percebe que o interesse pelo trabalho de seu colega também pode despertar o interesse dele pelo seu, e que uma classe de profissionais unidos e interessados no trabalho uns dos outros aprende a ter mais auto-estima, produz mais e desperta, naturalmente, o interesse das pessoas em geral. O psicólogo perde a consciência do valor daquilo que faz, e por isso se torna submisso e omisso.
A Psicologia Clínica no Brasil precisa ser um meio de vida e não apenas um modo de vida. Se quisermos mudar essa situação de forma favorável para os profissionais, devemos nos unir e lutar muito por isso. E o psicólogo clínico brasileiro tem sistematicamente se prendido às migalhas, com medo de perder o pouco que tem. Nesses tantos anos de profissão, houve poucos progressos, apesar das campanhas do CFP dizerem o contrário. Se continuarmos presos às migalhas, jamais partilharemos a mesma posição e reconhecimento das profissões de saúde mais valorizadas pela sociedade. Sendo que a sociedade como um todo, se beneficiará muito com estas mudanças possíveis e necessárias, ao reconhecer e se dedicar a promoção de seu bem estar e sua saúde, entre outras áreas da saúde, através também da psicologia.
*O texto é baseado em experiência profissional pessoal e alguns casos conhecidos, em clínicas. Peço desculpas por qualquer generalização negativa que tenha havido sobre qualquer categoria.